terça-feira, 28 de julho de 2009




 "Gloria desabou na primeira cadeira com sua bolsa pesada de cadernos, reavendo, sem mais, uma questão antiga que tanto a incomodava. Não estava apenas saboreando o incidente, catalogava-o, por compulsão, e ele passava a ser moral, e, logo, imprescindível malha na tessitura de sua vida. Aquilo cansava. Desde sua juventude invejava as amigas que comiam comendo, namoravam namorando e até mesmo colavam colando, com afinco e esmero, confundidas elas próprias com o objeto de suas ações. Como o pai na mesa, batendo o osso no garfo pra tirar o tutano, de tal modo embebido e completo que ela entendia o que era uma forma, o inteiro sem fragmentos. Desejou ser assim. Desejara sempre. Tomava banho 'sabendo,'sabia' que namorava, assistia-se existindo, exaurida, desejando ser expulsa de si para gozar a existência como coisa, bicho e algumas pessoas parecem gozá-la. não sabia formular o confuso e incomodo sentimento. Quando melhor o explicou já era quase noiva, confessando-se: padre, eu queria muito ser leviana, quero dizer, não me tornar uma leviana, por decisão, mas ter nascido leviana, bronca, suficientemente estupida pra fazer as coisas sem interrogação. Não se lembrava de o padre havê-la compreendido."




                                                                                                               Adelia Prado

  

Um comentário:

Clara Cavour disse...

nossa, que texto lindo. e como faz sentido!